A <em>missão</em> de António Guterres
Na verdade, se António Guterres é ou não membro do Opus Dei, como por aí se afirma, só o próprio o saberá dizer. Ele, e obviamente o Papa e meia dúzia de grandes senhores deste incerto planeta que se esfarrapa e se divide profundamente entre os escravos e os nababos. Tudo em nome da ética solidária.
Guterres é uma entidade curiosa que se preocupa, simultaneamente, com os miseráveis que, sem nada terem feito para merecer tal sorte, fogem às fomes e às guerras; e com as angústias metafísicas dos multimilionários promotores dessas mesmas guerras. A provar que assim é, ficou o registo do enorme dispêndio de energias que Guterres não regateou durante o longo processo da sua nomeação como Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Foi ao Médio Oriente ver, com os seus próprios olhos, como eram capazes de sobreviver, os deserdados. Depois, rumou a Bilderberg para pregar a moral aos capitalistas. Mal refeito destes esforços, logo tomou o jacto com destino a Washigton a fim de assegurar a sua fidelidade a Bush, a Condoleeza Rice e ao FMI. Porque Guterres tem um pecadilho na sua límpida consciência: num momento de desinspirado arroubo condenou (é certo que ao de leve) a agressão americana ao Iraque.
Apesar do transpirado esforço desenvolvido com estes e muitos outros contactos, o ex-primeiro-ministro português foi completamente apanhado de surpresa pela notícia da sua nomeação. Estava ele nessa altura em Ramallah, na Palestina, por entre os riscos da batalha e na qualidade de presidente da Internacional Socialista. Embora não se entenda bem a surpresa de Guterres. Porque de há muito - dizem, e o novo Alto Comissário já o confirmou - Guterres alimentou o sonho de ser ele a cuidar dos refugiados mais desvalidos. Sonho que já vem de longe. Talvez, desde quando evangelizava a Quinta do Mocho, já lá vão uns anos.
Voltando à terra, não se pense que o «sonho» de Guterres é devaneio de poeta. A ONU acaba de atribuir ao também presidente da Internacional Socialista, um verdadeiro reino, com mais de 22 milhões de súbditos. É certo que se trata de uma multidão imensa de mendigos, de esfomeados andrajosos, de homens, mulheres e crianças espavoridos que fogem à guerra e à morte, em busca de um lugar para viver. Guterres sabe que assim é e a sua alma estremece. Viu, nas cidades de barracas da Palestina, que a torrente humana de excluídos não cessa de aumentar. E testemunhou depois, nas mansões paradisíacas dos seus amigos suíços e americanos, que também a estes o sofrimento alheio angustia. Porém, que hão-de eles fazer ? Sem petróleo barato não há capitalismo que resista. A guerra e o sofrimento são males inevitáveis. Nada deterá o império dos ricos.
O ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), agora entregue a Guterres, tem um orçamento anual de cerca de 25 milhões de contos, na antiga moeda portuguesa. Nada de espantar, se considerarmos a vastidão dos problemas a enfrentar. O que é original, no caso do ACNUR, é que o financiamento deste pesado orçamento apenas depende da ONU em menos de 2% das verbas previstas. Assim, aproximadamente 98% do gastos anuais do comissariado, depende dos contributos voluntários de governos beneméritos, de ONGS, da sociedade civil, etc. Poucos são os estados que efectivamente contribuem. O orçamento assenta, basicamente, nas quotas pagas pelos governos norte-americano e japonês, por organizações intergovernamentais, empresas e ricos patrocinadores. Ou seja: a miséria é produzida pela exploração do homem pelo homem ; e o combate à miséria depende da generosidade das forças que produzem a miséria.
Tudo isto acaba por assentar, que nem uma luva, no perfil de Guterres, socialista e católico de missão. Apesar de tudo ter feito pela nomeação, Guterres recebeu-a humildemente, como resposta aos seus sonhos e às suas orações. Tal como os seus amigos de Bilderberg, também ele acredita que a sociedade terá de depender sempre de elites de iluminados e que os pobres e os excluídos são um mal inevitável cuja existência os homens bons apenas podem atenuar. Porque, afinal, a pobreza extrema também purifica a alma. E as guerras, ainda que todas elas sejam condenáveis, podem rasgar indirectamente as vias de uma nova evangelização dos povos.
Tal como António Guterres, assim pensa e age o Vaticano. Nas grandes decisões da Igreja, sem dúvida que a metanoia, o movimento da alma e do coração, se deve revelar no amor aos pobres e humilhados. Mas os cardeais e os bispos não podem esquecer que são homens que Deus carregou com o fardo de enormes responsabilidades. A sua obediência é ao Papa, a sua grande fidelidade, à Igreja. E a igreja deve crescer no mundo. Mesmo que o agente de missão não entenda bem qual o sentido da sua acção, importa que tenha a coragem de agir.
Assim Deus o quer.
Guterres é uma entidade curiosa que se preocupa, simultaneamente, com os miseráveis que, sem nada terem feito para merecer tal sorte, fogem às fomes e às guerras; e com as angústias metafísicas dos multimilionários promotores dessas mesmas guerras. A provar que assim é, ficou o registo do enorme dispêndio de energias que Guterres não regateou durante o longo processo da sua nomeação como Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Foi ao Médio Oriente ver, com os seus próprios olhos, como eram capazes de sobreviver, os deserdados. Depois, rumou a Bilderberg para pregar a moral aos capitalistas. Mal refeito destes esforços, logo tomou o jacto com destino a Washigton a fim de assegurar a sua fidelidade a Bush, a Condoleeza Rice e ao FMI. Porque Guterres tem um pecadilho na sua límpida consciência: num momento de desinspirado arroubo condenou (é certo que ao de leve) a agressão americana ao Iraque.
Apesar do transpirado esforço desenvolvido com estes e muitos outros contactos, o ex-primeiro-ministro português foi completamente apanhado de surpresa pela notícia da sua nomeação. Estava ele nessa altura em Ramallah, na Palestina, por entre os riscos da batalha e na qualidade de presidente da Internacional Socialista. Embora não se entenda bem a surpresa de Guterres. Porque de há muito - dizem, e o novo Alto Comissário já o confirmou - Guterres alimentou o sonho de ser ele a cuidar dos refugiados mais desvalidos. Sonho que já vem de longe. Talvez, desde quando evangelizava a Quinta do Mocho, já lá vão uns anos.
Voltando à terra, não se pense que o «sonho» de Guterres é devaneio de poeta. A ONU acaba de atribuir ao também presidente da Internacional Socialista, um verdadeiro reino, com mais de 22 milhões de súbditos. É certo que se trata de uma multidão imensa de mendigos, de esfomeados andrajosos, de homens, mulheres e crianças espavoridos que fogem à guerra e à morte, em busca de um lugar para viver. Guterres sabe que assim é e a sua alma estremece. Viu, nas cidades de barracas da Palestina, que a torrente humana de excluídos não cessa de aumentar. E testemunhou depois, nas mansões paradisíacas dos seus amigos suíços e americanos, que também a estes o sofrimento alheio angustia. Porém, que hão-de eles fazer ? Sem petróleo barato não há capitalismo que resista. A guerra e o sofrimento são males inevitáveis. Nada deterá o império dos ricos.
O ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), agora entregue a Guterres, tem um orçamento anual de cerca de 25 milhões de contos, na antiga moeda portuguesa. Nada de espantar, se considerarmos a vastidão dos problemas a enfrentar. O que é original, no caso do ACNUR, é que o financiamento deste pesado orçamento apenas depende da ONU em menos de 2% das verbas previstas. Assim, aproximadamente 98% do gastos anuais do comissariado, depende dos contributos voluntários de governos beneméritos, de ONGS, da sociedade civil, etc. Poucos são os estados que efectivamente contribuem. O orçamento assenta, basicamente, nas quotas pagas pelos governos norte-americano e japonês, por organizações intergovernamentais, empresas e ricos patrocinadores. Ou seja: a miséria é produzida pela exploração do homem pelo homem ; e o combate à miséria depende da generosidade das forças que produzem a miséria.
Tudo isto acaba por assentar, que nem uma luva, no perfil de Guterres, socialista e católico de missão. Apesar de tudo ter feito pela nomeação, Guterres recebeu-a humildemente, como resposta aos seus sonhos e às suas orações. Tal como os seus amigos de Bilderberg, também ele acredita que a sociedade terá de depender sempre de elites de iluminados e que os pobres e os excluídos são um mal inevitável cuja existência os homens bons apenas podem atenuar. Porque, afinal, a pobreza extrema também purifica a alma. E as guerras, ainda que todas elas sejam condenáveis, podem rasgar indirectamente as vias de uma nova evangelização dos povos.
Tal como António Guterres, assim pensa e age o Vaticano. Nas grandes decisões da Igreja, sem dúvida que a metanoia, o movimento da alma e do coração, se deve revelar no amor aos pobres e humilhados. Mas os cardeais e os bispos não podem esquecer que são homens que Deus carregou com o fardo de enormes responsabilidades. A sua obediência é ao Papa, a sua grande fidelidade, à Igreja. E a igreja deve crescer no mundo. Mesmo que o agente de missão não entenda bem qual o sentido da sua acção, importa que tenha a coragem de agir.
Assim Deus o quer.